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Serra da Estrela sofre o maior incêndio do ano, 10% do Parque Natural já ardeu

Combate falhou nas primeiras horas e a orografia do terreno complicou a atuação nos dias seguintes. Ardeu já 10% da área do Parque Natural

O maior incêndio registado este ano em Portugal continua a lavrar sem descanso na serra da Estrela, criando uma mancha negra naquela que era a grande mancha verde no centro do país. Em seis dias consumiu mais de 10 mil hectares (ha), o que equivale a cerca de 13% da área ardida este ano em espaços rurais. Desde o início do ano já arderam 74.304 hectares no território continental, segundo dados do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas — ICNF.

Na tarde desta quinta-feira, o fogo não parecia pronto a ceder. Às 14h18 de 11 de agosto, dados do satélite “Modis Aqua” da NASA analisados pelo investigador José Miguel Cardoso Pereira, do Centro de Estudos Florestais do Instituto Superior de Agronomia, davam conta de “uma área preocupante de chamas na cabeça do fogo”, a norte de Manteigas. Isto mesmo com os sapadores florestais e a força especial de bombeiros a tentar delimitar um perímetro de 25 quilómetros com retroescavadoras para travar o incêndio que se estendeu entre os concelhos da Covilhã, Manteigas, Gouveia e Guarda e chegou ao de Celorico da Beira no final da tarde. O fogo começou na madrugada de sábado no lugar de Garrocho, na Covilhã, e a Polícia Judiciária está a investigar indícios de fogo posto.

A meio da tarde de ontem, o segundo comandante da Autoridade Nacio­nal de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), Miguel Cruz, dava conta de que estavam no terreno 1500 operacionais, cerca de 400 viaturas e 14 aeronaves, que iriam “continuar a trabalhar afincadamente”, tendo em conta a evolução da situação meteorológica e as “oportunidades” criadas para atuar. Até então registavam-se 11 feridos, 26 pessoas deslocadas de suas casas por segurança e danos em dois veículos e duas casas. A meio da tarde, as chamas atingiram um aglomerado de casas devolutas na aldeia Quinta da Taberna, na Guarda, acabando por atingir uma casa habitada.

As forças de bombeiros e sapadores não conseguiram dar conta do fogo nas primeiras horas e a orografia do terreno complicou a atuação nos dias que se seguiram, indicam ao Expresso várias fontes. “Tenho informação de que as faixas de gestão de combustível não terão sido aproveitadas para ações de combate quando podiam ter sido em alguns momentos”, diz Cardoso Pereira, lembrando que “numa área protegida como esta não se podem fazer caminhos ‘a laser’ como alguns parecem pensar, porque assim restaria muito pouco da natureza que ali se protege”. Segundo o especialista, tendo em conta que o Parque Natural teve o último grande incêndio em 2005, muito combustível se foi acumulando. A melhor forma de evitar o que agora sucedeu é “fazer fogo controlado de baixa intensidade em pequenas parcelas, quando o tempo permite”.

Cardoso Pereira também critica o facto de, apesar de se falar no assunto desde 2004 e constar do atual plano de gestão integrada de fogos rurais, “continua a não haver a especialização de funções para que uns protejam as casas e aldeias, que são obviamente a primeira prioridade, e outros protejam a floresta e a natureza”.

Até ontem ardeu cerca de 10% da área do Parque Natural da Serra da Estrela, incluindo o Vale Glaciar que integra o Geopark classificado como Património Mundial da UNESCO. Pelo caminho foram devastadas áreas de paisagem protegida, bosques de faias, bétulas e castanheiros centenários, mas o balanço das perdas de biodiversidade só será apresentado pelo ICNF depois de estancado o fogo e avaliados os prejuízos totais da área protegida. Estima-se que várias espécies da fauna em risco de extinção, como a víbora-cornuda, ou espécies de escaravelhos que apenas existem na serra da Estrela, possam ter sido afetados.

O presidente da Câmara Municipal da Covilhã acionou o plano de emergência na segunda-feira e este foi ratificado esta quinta, informa ao Expresso Vítor Pereira. Entretanto, foi já elaborado um plano de atuação na área de 3500 hectares ardida no concelho que passa por inventariar prejuízos, operacionalizar a venda da madeira ardida ou criar um banco alimentar para os animais, e avançar com a estabilização de solos. O autarca reconhece que de pouco serviram as faixas de contenção e gestão de combustível e caminhos que foram criados nesta área protegida desde 2017. O fogo galgou tudo e apesar de alguns percalços com os meios aéreos (com três Canadair inoperacionais a meio da semana), certo é que, diz, “a água que chegaram a deitar em algumas situações rapidamente se transformou em vapor”. E, acrescenta, “como me disse um bombeiro, com a terrível carga térmica existente nos solos neste ano de seca, este é um incêndio que tem de ser combatido à unha no terreno”.

O Conselho de Ministros aprovou esta quinta-feira a aquisição de 81 veículos para combate a incêndios rurais, “de forma a aumentar a capacidade operacional da ANEPC” com recurso a financiamento do PRR, mas não sabe quando estarão operacionais.

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