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Cultura

Empresas do pai, da mãe, do irmão e da própria ministra da Cultura fizeram contratos com o Estado

Alguns dos contratos foram feitos quando Graça Fonseca era secretária de Estado. Advogados explicam ao Expresso a incompatibilidade destes negócios

Há pouco mais de um ano, a Joule e a Joule Internacional, empresas do ramo da engenharia, celebravam cada uma delas um contrato público com o munícipio de Lisboa. Ora, as empresas contratadas são detidas pelo pai, pela mãe e pelo irmão de Graça Fonseca – e também pela própria ministra da Cultura, que à época ocupava ainda o cargo de secretária de Estado. Apesar de a percentagem detida pela ministra não ultrapassar os limites impostos na lei, o mesmo não acontece com os seus familiares, que têm participações superiores a 10%. Os contratos assinados correspondem a mais de 22 mil euros (ou a quase 150 mil euros, se nas contas também incluirmos negócios com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa).

Ambos os documentos são de 26 de junho do ano passado. O contrato celebrado com a Joule Internacional envolve um montante de €19.990 e deve-se à “aquisição de serviços de consultoria em matéria de especialidades de engenharia para as áreas de intervenção do programa Renda Acessível” no Vale de Santo António, no Bairro do Condado e no Alto da Ajuda. Já com a Joule os serviços foram pedidos para começar “o projeto de reformulação da rede de distribuição de baixa tensão do Complexo dos Olivais II” e pressupõe o pagamento de €2800.

Graça Fonseca foi vereadora da Câmara Municipal de Lisboa entre 2009 e 2015, quando António Costa liderou a autarquia. O Expresso contactou o gabinete da ministra, que respondeu assim: “Remetemos para o comunicado de ontem do gabinete do senhor primeiro-ministro e para as declarações de hoje do senhor ministro dos Negócios Estrangeiros“.

A família da ministra tem duas empresas: a Joule – Projetos, estudos e coordenação, LDA (com cerca de 40 anos de existência) e a Joule Internacional – serviços de engenharia, LDA (criada há cerca de uma década). A mais antiga tem como sócios o pai de Graça Fonseca (38%), a mãe (38%) e o irmão (16%). Os restantes 8% são participação da governante. Ao mesmo tempo, na empresa mais recente, são apenas sócios o pai, a ministra e o irmão, com 70%, 8% e 22%, respetivamente.

De acordo com legislação, a participação de 8% de Graça Fonseca em ambas as empresas não incorre em qualquer ilegalidade. No entanto, a mesma legislação define como incompatível “participações superiores a 10% de parentes, ascendentes ou colaterais até ao segundo grau” com exercício da função de altos cargos públicos. Ou seja, a situação dos pais e irmão da ministra.

João Paulo Batalha, presidente da associação Integridade e Transparência, não tem dúvidas: “a lei é clarinha” e o que prevê, em casos como o de Graça Fonseca, é mesmo a “demissão”. O que a atual polémica demonstra – com o primeiro-ministro a pedir um parecer sobre estes casos à Procuradoria-Geral da República e o ministro dos Negócios Estrangeiros a considerar que seria “absurdo” interpretar a lei de forma literal – é que “a lei não foi feita para ser cumprida”. Ou seja, para João Paulo Batalha, a alteração que tornou a legislação mais restritiva em 1995 – deixando de impedir apenas contratos públicos com a área tutelada pelo político em causa, e passando a abranger todos – foi feita num período de “ânsia eleitoral” e nunca posta em prática.

“Este caso mostra que as leis de impedimentos não são desenhadas para serem cumpridas e não são fiscalizadas por ninguém: estes casos são sempre levantados pela comunicação social.” Até porque, se a versão da lei que vigora atualmente fosse aplicada, “haveria uma razia até nos presidentes de câmara”. Mas tal nunca aconteceu: como o próprio primeiro-ministro notou, não existe jurisprudência sobre o assunto, apesar de a norma existir há mais de 20 anos.

Também para Dantas Rodrigues, advogado especialista em direito Administrativo, “é evidente” a incompatibilidade dos casos. “Nem cônjuges nem descendentes nem ascendentes, familiares de pessoas em cargos públicos podem prestar serviços ou colaborar com instituições públicas. É isso que diz a lei.”

Segundo a lei que ainda vigora, há incompatibilidade. No entanto, se analisarmos a nova legislação, que deve entrar em vigor brevemente, a incompatibilidade desaparece devido às alterações votadas pelo Parlamento. Esta terça-feira, o primeiro-ministro pediu parecer à Procuradoria-Geral da República para esclarecer a legislação que ainda vigora. Uma decisão, sublinha Dantas Rodrigues, que ao nível político parece servir apenas para “ganhar tempo”.

“Todos sabem que um parecer da Procuradoria demora sempre algum tempo e parece que isto vai servir para que, quando o parecer aparecer, já esteja em vigor a nova lei. Então aí já não haverá qualquer incompatibilidade”, nota o especialista.

Para o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia, a nova legislação “parece ter sido criada para evitar que mais casos” surjam. A consequência para quem não cumpra, defende, deve ser a “nulidade dos contratos” e não a demissão do cargo público.

Todos os contratos em causa foram concretizados por ajuste direto, significa isto que não foi aberto concurso público e que as entidades escolheram a empresa a que iria entregar o projeto, alegando sempre “ausência de recursos próprios”.

Mais três contratos com a Santa Casa

O mais recente contrato na BASE, a plataforma que disponibiliza todos os contratos celebrados pelas instituições públicas, que envolve a Joule e a Joule Internacional, é de fevereiro deste ano, já Graça Fonseca era ministra da Cultura, e diz respeito a uma contratação de serviços por parte da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Além deste há mais dois.

E aqui as opiniões divergem quanto à natureza da Santa Casa. Por um lado, Bacelar Gouveia defende que se trata de uma “entidade integrada na administração publica, até porque os órgãos são nomeados pelo Governo e exerce uma autoridade delegada pelo Estado”. “Aliás, entendemos a Santa Casa como entidade pública porque até a estudamos em Direito Administrativo”, justifica. Por outro lado, o advogado Dantas Rodrigues aponta que esta é uma situação dúbia e que, nestes casos, duvida da incompatibilidade, “porque apesar de tudo não se trata de uma instituição do Estado – tem cariz social e na sua fundação e orgânica tem uma autonomia muito diferente e independente do Estado”.

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é uma organização secular católica portuguesa de direito privado e utilidade pública administrativa.

Desde 26 de abril de 2016 que os três contratos com a Santa Casa e os dois com o município de Lisboa são os únicos contratos públicos assinados pela empresa familiar. Todos os anos um contrato foi feito, sempre mais ou menos pela mesma altura: a Joule com a Santa Casa em abril de 2016 e em junho de 2017 e ainda com o município de Lisboa em junho de 2018; já a Internacional assinou um outro contrato com a autarquia lisboeta também em junho do ano passado.

No total, se forem somados os cinco contratos, os negócios implicaram €144.590.

Antes da pasta da Cultura, Graça Fonseca assumiu funções no atual Executivo como secretária de Estado. Tomou posse a 26 de novembro de 2015 e, dias depois, deixou a gerência da Joule, permanecendo apenas como sócia.

Este é mais um caso para juntar aos que nos últimos dias têm vindo a público: a empresa do pai de Pedro Nuno Santos fez contratos públicos, assim como o marido da ministra da Justiça tem colaborado várias vezes com o Governo, incluindo com o Ministério da Administração Interna, além do filho do secretário de Estado da Proteção Civil, que celebrou pelo menos três contratos com o Estado já depois de o pai assumir funções governativas. O nome de Graça Fonseca junta-se agora ao leque.

 

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