Sentença histórica em Espanha. “Abre portas a centenas de portuguesas”

Um artigo de opinião assinado por Dantas Rodrigues, sócio-partner da Dantas Rodrigues & Associados.

“Ninguém se sente confortado com as decisões judiciais quando o assunto consiste em cirurgias plásticas de cariz estético. Os nossos tribunais não têm juízes especializados, nem vocacionados, para as ações de responsabilidade civil, quando se trata de erro na prática do procedimento médico ou do não cumprimento de algo prometido a um padecente ou a um cliente como, por exemplo, levá-lo intencionalmente a crer na possibilidade de se conseguir um resultado diferente daquele que é tecnicamente viável. Na verdade, as sentenças nunca reparam devidamente as vítimas de más práticas médicas.

Se, por um lado, é verdade que na cirurgia plástica estética os erros não devem ser exclusivamente assacados aos médicos, por outro, não é menos verdade que muitos desses mesmos erros derivam (e muito) da qualidade do dispositivo clínico utilizado.

Embora a Espanha não prime pela qualidade da sua justiça, a recente sentença do Tribunal Judicial de Primeira Instância de Málaga, com data de 3 de novembro, na qual é condenada a Allergan, uma empresa americana domiciliada na Irlanda, e fabricante de implantes mamários, a indemnizar uma mulher, professora de profissão, em que o uso daquela marca de implantes provocou o desenvolvimento de um cancro linfático ou linfoma, apresenta-se, sem dúvida, como uma sentença histórica, de importância mundial mesmo, porquanto, na sua sequência, espera-se um aumento exponencial de pleitos, por parte de outras vítimas de próteses defeituosas, contra as multinacionais farmacêuticas que, até agora, os tribunais se têm eximido a dar provimento às ações condenatórias.

A sentença ora lavrada em Espanha abre, por conseguinte, as portas a centenas de mulheres portuguesas que se submeteram a mamoplastias

Os factos em apreço reportam-se a 2016, quando uma jovem professora de 28 anos de idade resolveu substituir as próteses mamárias que lhe haviam sido implantadas em 2008 por umas da marca Allergan, último grito da moda no estranho mundo da estética plástica. A prótese de silicone utilizada era texturizada (rugosa), conhecida por permitir uma maior aderência aos tecidos, facilitando o processo de cicatrização. Em agosto de 2020 a referida jovem professora teve de retirar as novas próteses ao serem-lhe detetadas, no seio direito, manchas negras e castanhas. Da biopsia efetuada resultou a existência de marcadores tumorais linfáticos, ou seja, um linfoma anaplástico de células grandes (LACG), um tipo de carcinoma que se desenvolve a partir de glóbulos brancos chamados linfócitos. A decisão médica de tratamento foi submetê-la a sessões de radioterapia oncológica para se tentar matar as células do linfoma ou, então, abrandar o seu crescimento e desenvolvimento.

No país vizinho, só no ano de 2020, foram registados e confirmados pelo Sistema de Vigilancia de Productos Sanitarios 63 casos de LACG associados a implantes mamários.

Apresentados os respetivos articulados e meios de prova, o Tribunal Judicial de Primeira Instância de Málaga entendeu que «as próteses mamárias texturizadas fabricadas pela Allergan e implantadas eram um “produto defeituoso”, existindo uma nítida falta de segurança no seu uso, cabendo ao fabricante a obrigação de indemnizar o dano provocado, não existindo nenhuma justificação para a exoneração de responsabilidades.» E concluiu dizendo mais: «Já em dezembro de 2018, tinha sido suspensa a venda dos implantes texturizados por os mesmos estarem relacionados com linfomas de células grandes (LACG), não oferecendo as garantias necessárias para a saúde e bem-estar da pessoa que os utiliza.»

Confiantes num bom resultado, desconhecendo a marca e o tipo de dispositivo clínico utilizado, transportam uma bomba-relógio dentro delas 

Havendo a obrigação do fabricante em ressarcir, de forma direta, o consumidor final pelos danos causados pelos seus produtos constitui esse ressarcimento uma responsabilidade objetiva exigível à margem de qualquer relação contratual com base no carácter defeituoso dos mesmos.

Os produtores são sempre responsáveis por tudo o que fabriquem ou importem, e ainda por eventuais danos derivados de produtos considerados inseguros, não obstante os controlos prévios de qualidade a que possam ser submetidos. Além disso, cabe-lhes o dever de vigilância dos perigos inerentes aos artigos farmacêuticos ou aos dispositivos clínicos que tenham introduzido no mercado e, simultaneamente, cabe-lhes o dever de retirar qualquer produto que não se ajuste às condições e requisitos exigidos, ou que, por qualquer outro motivo ponderoso, suponham um risco previsível para a saúde ou segurança das pessoas.

A sentença ora lavrada em Espanha abre, por conseguinte, as portas a centenas de mulheres portuguesas que se submeteram a mamoplastias, a fim de conseguirem uma silhueta mais a seu contento, e, desse modo, alcançarem melhor autoimagem e maior autoestima.

Confiantes num bom resultado, desconhecendo a marca e o tipo de dispositivo clínico utilizado, transportam uma bomba-relógio dentro delas. O mal infelizmente está feito, restando agora às vítimas de próteses defeituosas, exigir indemnizações contra as empresas fabricantes de dispositivos clínicos, reclamando danos físicos, danos morais e ainda os custos das cirurgias a que serão obrigadas para remediar o que for possível.”

 

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