Jannah Theme License is not validated, Go to the theme options page to validate the license, You need a single license for each domain name.
Mundo

Brasil entre o futuro e Bolsonaro

A mais do que provável eleição como Presidente, no domingo, do candidato da extrema-direita comporta riscos e levanta questões de difícil resposta. O que irá acontecer no país que nos é tão próximo e ao qual chamamos “irmão”?

A bordo de uma dinâmica de vitória construída com base no mito de que ele livrará o país da corrupção, da criminalidade e da insegurança, esquecido ou minimizado o que disse e ameaçou ao longo do tempo, Jair Bolsonaro deverá ser eleito Presidente do Brasil no próximo domingo. E não espantará se o for com uma maioria que ronde os 60 por cento. A grande incógnita é o que sucederá a seguir. Primeiro, se não se assistirá a uma certa espiral de medo e de violência, como já se começou a verificar contra opositores de uma previsível “nova ordem”. Depois, se e quando se vão desiludir tantos milhões de brasileiros que não têm nada a ver com a ideologia e o extremismo de um candidato defensor da ditadura militar e dos torturadores do passado, mas que nele depositam a esperança de mudar para melhor a atual situação.

A campanha para a segunda volta das presidenciais, agora a chegar ao fim, não alterou de modo substancial a realidade e as tendências verificadas na primeira volta, em que o candidato do PSL, até 7 de outubro um partido quase inexistente, venceu com 46,03% dos votos, seguido de Fernando Haddad, do PT, com 29,28 por cento. Uma diferença que mostra a verdadeira “vaga de fundo” a favor do capitão na reserva, expressão do generalizado descontentamento face à “classe política” tradicional e da rejeição face ao PT – que se traduziu também nos resultados das simultâneas eleições para a Câmara dos Deputados, o Senado e governadores de Estado.

Exemplificando, o PSL, que tinha um deputado, um, agora elegeu 52. Ficando com a segunda maior bancada, depois da do PT, com 56 deputados, menos 12 do que antes (num total de 513). O que nem foi um mau resultado, em comparação com os dos outros até agora maiores partidos: o MDB, do atual Presidente, Michel Temer, desceu de 66 para 34 deputados (e o seu candidato presidencial teve 1% dos votos…); e o PSDB, do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) e outros “ilustres”, desceu de 54 para 29.

Falta de posições claras

Sendo expectável que, numa segunda volta das presidenciais, todos os que defendem sem ambiguidades a democracia convergissem para impedir a vitória do candidato que a tem posto em causa (e atacado com virulência valores que lhe estão associados), tal não se verificou. O que já fora notório no final da primeira volta, quando candidatos, até a governadores, de vários partidos se “colaram” a Bolsonaro para conseguir benefícios eleitorais. Caso paradigmático é o de João Doria (PSDB), em São Paulo, que o fez traindo o candidato ao Planalto do seu partido, e de outros do centro/direita, o governador Geraldo Alckmin, que acabou por ter só 4,76% dos votos, numa das marcas mais fortes do tsunami político que assolou o Brasil.

Sublinhe-se que Haddad também fez pouco, e tarde, para conseguir aquela convergência. Com notória falta de chama e carisma, no seu discurso na noite da primeira volta, após serem conhecidos os resultados, mostrou-se satisfeito com eles e falou de Lula e do PT em vez de apelar com vigor a tal convergência. Tal não justifica, porém, a falta de posições claras, dignas, no sentido de se oporem à eleição de Bolsonaro, por parte de partidos e figuras que se impunha terem-nas tomado, a começar por FHC.

Vale a pena, de resto, lembrar quem são os dois candidatos. Jair Bolsonaro, 63 anos, estudou na Academia Militar das Agulhas Negras. Acusado de planear o rebentamento de pequenos explosivos para protestar pelos baixos salários, foi absolvido mas passado à reserva, em 1988. Depois foi vereador da Câmara do Rio de Janeiro e, a partir de 1991 até hoje, sempre deputado, por nove partidos – nessa qualidade, tomando atitudes e proferindo muito citadas afirmações no mínimo extremistas, em vários domínios. Fernando Haddad, 55 anos, é licenciado em Direito, mestre em Economia e doutorado em Filosofia, sendo professor da Universidade de São Paulo (USP). Trabalhou em várias instituições e, militante do PT, foi ministro da Educação entre 2005 e 2012, em governos de Lula e de Dilma Rousseff, com uma vasta, por vezes polémica, ação no sentido de aumentar e tornar mais acessível a escolaridade – sendo depois eleito prefeito de São Paulo, cargo que exerceu entre 2013 e 2016.

Propaganda e manipulação

Nesta segunda volta, para manter e consolidar a sua vantagem, e garantir a eleição, aparentemente Bolsonaro não precisou de fazer nada – precisou só de não fazer nada… Como, o que é revelador, recusar debates com o seu adversário. Com os quais, é certo, só podia perder: além das suas conhecidas tiradas racistas, sexistas, homofóbicas, etc., é flagrante a sua impreparação. Por exemplo, a sua intervenção na poderosa Federação dos Industriais de São Paulo (FIESP) foi indigente. Confessando (com grande “humildade”, disse) nada saber de economia, declarou que isso será o feudo do seu guru na matéria, Paulo Guedes, seu futuro ministro da Fazenda, um economista ultraliberal que entende terem os trabalhadores direitos excessivos.

Também neste aspeto, o de o subtrair à necessidade de debater e se expor, o criminoso ataque à facada de que foi vítima acabou por lhe ser muito favorável: ele, que tinha apenas oito segundos no horário eleitoral televisivo, passou a abrir os telejornais e numa situação de vítima, o que para este efeito é sempre excelente… Mas se o candidato do PSL precisava só de não fazer nada, era também porque tinha muitos a fazerem-no para ele. Mormente em campanhas de fake news e manipulação massiva, sobretudo através do WhatsApp, no Brasil utilizadíssimo. Campanhas que, segundo reportagem da Folha de São Paulo, seriam financiadas por algumas empresas, o que é proibido. A justiça eleitoral abriu uma averiguação, o PT e não só até quererão impugnar o sufrágio, mas tenho como certo que isso dará em nada. Pelo menos, para já. Como nos EUA, ulteriormente mais e pior poderá aparecer.

Acresce que por força da dinâmica referida, nenhumas declarações ou escândalos parecem afetar a caminhada de Bolsonaro para a Presidência. O último exemplo foi a revelação de um vídeo em que um dos filhos do candidato, também agora eleito deputado e importante na sua candidatura, diz que se o Supremo Tribunal Federal (STF) impedisse a candidatura do pai, isso seria fácil de resolver: “Bastam um soldado e um cabo para o fechar.” O pai, agora, diz que ele precisa de psiquiatra, e tudo continua alegremente na mesma…

Bom, mas pergunta-se: como conseguirá o próximo Presidente do Brasil governar, com a extrema polarização existente, não tendo uma maioria no Congresso, com 30 partidos representados na Câmara? A resposta é – muito dificilmente. E nas atuais circunstâncias, se por mera hipótese Haddad fosse eleito, ainda seria mais complicado. A extrema dificuldade, aliás, não é de agora, resulta muito de um sistema que deve ser mudado, e muitas vezes só tem sido “ultrapassada” com o inadmissível recurso à corrupção. Foi assim com o Mensalão que começou o círculo vicioso em que o PT se envolveu, levou ao seu total descrédito ético e à sua subsequente queda política. Seja como for, a minha previsão é a de que Bolsonaro e o PSL conseguirão “costurar” na Câmara apoios iniciais suficientes, mas com o óbvio apoio de partidos minados pela corrupção, mesmo dos piores – que, de resto, fizeram também parte da base de apoio aos governos do PT… Como o fez o PRB, ligado à IURD, que subiu para 30 deputados, sendo agora o bispo Edir Macedo e seus fiéis, assim como outros “evangélicos”, entusiastas e decisivos apoiantes de Bolsonaro.

Apoios do boi, da Bíblia e da Bala

O provável próximo governo do capitão quererá começar por se impor levando à prática algumas das medidas que defende mais fáceis de executar. Entre elas, com as naturais consequências, a liberalização da venda de armas, o incentivo a práticas policiais ainda menos “ortodoxas” do que muitas já praticadas, e a diminuição da idade da responsabilidade penal para os 16 anos. Depois deverão vir mudanças como as dos programas escolares (para ensinar, por exemplo, que no Brasil nunca houve uma ditadura) e da legislação que protege, embora menos do que os especialistas entendem que devia acontecer, o ambiente e sobretudo a Amazónia. E muitas outras, tendente a satisfazer a chamada “bancada do boi, da Bíblia e da bala”, principal apoio parlamentar de Bolsonaro.

Dado o apoio que, em geral, terá do grande empresariado e de influentes meios financeiros, é natural haver inicialmente melhorias a nível económico, inclusive uma eventual diminuição do desemprego, que hoje afeta cerca de 13 milhões de brasileiros. Mas suponho que a situação poderá depois degradar-se e, num país de tremendas desigualdades e injustiças, crescer a contestação social. Se Jair Bolsonaro não conseguir o que pretende, se o funcionamento dos mecanismos democráticos e judiciais existentes, ainda que frágeis, impedir o que porventura queira fazer não respeitando a Constituição ou as leis, considero uma incógnita o que acontecerá. Em meu juízo, desde a primeira metade da década de 1980, nunca as liberdades e os Direitos Humanos estiveram tanto em jogo. E o Brasil, o eterno país do futuro, que nos primeiros anos deste século foi um país do presente, respeitado e admirado em todo o mundo, corre o risco de voltar ao pior do passado.

FONTE

José Carlos de Vasconcelos

FONTE José Carlos de Vasconcelos VISAO.SAPO.PT

FOTO GettyImages

Fonte da Notícia
VISAO.SAPO.PT
Mostrar mais

Artigos relacionados

Botão Voltar ao Topo