Jannah Theme License is not validated, Go to the theme options page to validate the license, You need a single license for each domain name.
Nacional

Condenação da França em Estrasburgo

Um artigo de opinião assinado por Dantas Rodrigues, sócio-partner da Dantas Rodrigues & Associados.

O acórdão ‘Bivolaru e Moldovan’ do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), sediado em Estrasburgo, condenou, em 25 de março de 2021, a França por violação do artigo 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o qual proíbe tratamentos desumanos e degradantes infligidos a pessoas. E isto por a justiça francesa ter entregado, em cumprimento de um mandato de detenção europeu, um romeno condenado em 2015 no seu país a sete anos e seis meses de prisão por crime de tráfico de pessoas para a prática de mendicidade urbana, crime esse cometido, durante 2010, em solos romeno e francês. As autoridades gaulesas são sancionadas por não terem tido em conta o risco real corrido pelo extraditado em ser exposto a tratamento desumano e degradante devido às condições de detenção na Roménia, mesmo havendo este país sido anteriormente condenado pelo próprio TEDH pelas suas prisões sobrelotadas e omissas em condições dignas de detenção.

Codrut Moldovan e Gregorian Bivolaru haviam na altura recorrido da decisão das suas entregas às autoridades romenas, insistindo nas condições de detenção a que seriam sujeitos, mas o recurso foi indeferido pelo Tribunal Superior Francês (Cour de Cassation), e assim se procedeu, em 2016, às suas devoluções à procedência com o fim de cumprirem pena.

Com este caso, estamos perante uma importantíssima rotura ao entendimento em que a maioria dos tribunais nacionais dos países da União Europeia continua a ter sobre a aplicação do mandato de detenção europeu. Limitam-se a cumprir as decisões judiciárias emitidas por um Estado-membro com a finalidade de detenção e entrega a outro Estado-membro de indivíduos procurados para efeitos de procedimento criminal ou cumprimento de pena.

Bastava ser conhecido o paradeiro de alguém a contas com a justiça, e a autoridade judicial emitente de um mandato de detenção comunicaria diretamente com as autoridades do país de execução (território onde se encontra a pessoa procurada), por forma a ser tramitada e executada com urgência a ordem de detenção emitida.

Ora bem, a partir do acórdão ‘Bivolaru e Moldovan’, independentemente da existência de uma condenação algures, é necessário salvaguardar que o país emitente do mandato respeite os direitos humanos, com especial relevância para as autoridades que participam na administração da justiça, funcionários e serviços públicos, designadamente polícias, guardas prisionais, tribunais, magistraturas, etc.

A execução de um mandado de prisão europeu não é, nem pode ser, necessariamente automática, e há espaço para interpretação a critério dos países, independentemente dos crimes de que o procurado é suspeito ou condenado estarem incluídos nos 32 crimes aceites pela justiça penal como graves e comuns a todos os ordenamentos jurídicos e não sujeitos ao controlo da dupla incriminação.

Em consonância com o princípio do reconhecimento mútuo, a autoridade judiciária de execução não pode pôr em causa o mérito das decisões das autoridades judiciárias do Estado-Membro de emissão, mas pode (e deve), em particular, decidir pela não execução do mandato de detenção se se identificar a existência de um risco real de tratamento desumano ou degradante da pessoa procurada, se se considerar que a entrega põe manifestamente em perigo a vida ou a saúde da pessoa procurada e, ainda com base nas informações de que eventualmente se puder dispor, se se confirmar a existência de deficiências, quer sejam sistémicas ou generalizadas, quer afetem determinados grupos de pessoas ou ainda determinados centros de detenção, no que concerne a condições de detenção no dito Estado-Membro de emissão. Tem, por conseguinte, obrigação um Estado-membro de execução de avaliar a proporcionalidade de um mandato de detenção europeu. No direito penal, o princípio da proporcionalidade – princípio esse orientador de todo o sistema normativo – impõe a proteção do indivíduo contra intervenções repressoras desnecessárias ou excessivas, que causem aos infratores danos mais graves que o indispensável para a proteção dos interesses públicos.

Neste enquadramento, merecem particular destaque decisões judiciais como as do Tribunal de Bruxelas, sobre Carles Puigdemont, ou como as do Tribunal de Edimburgo, quanto a Clara Ponsatí, os quais recusaram a entrega de ambos os políticos catalães ao braço jurídico espanhol.

Importante reter, a propósito, que o que impede o cumprimento de mandatos de detenção é exclusivamente a certeza de o Estado emissor respeitar os direitos do homem (ou direitos humanos), conjunto de regras fundamentais que fazem parte integrante dos princípios gerais do Direito, cujo respeito a jurisdição comunitária tem de assegurar.

Trata-se, pois, de direitos que se centram na dignidade do ser humano, obrigando os Estados e os seus representantes a proteger os cidadãos. Não podem ser suprimidos nem negados, e são iguais e interdependentes, isto é, ninguém é mais importante do que os demais e a fruição de qualquer um afeta a fruição dos restantes. Por exemplo, é pouco provável que alguém que seja encarcerado num estabelecimento prisional, sem condições de higiene, sem alimentação adequada, sem acesso a defensor e sem acesso a visitas de família, consiga cumprir a sua pena com dignidade. Quando tal acontece, está-se perante uma violação dos direitos humanos quanto à proteção da vida, da saúde e da integridade pessoal, está-se perante uma vítima de tratos cruéis, degradantes ou desumanos.

Saudemos então pela primeira vez a condenação de um Estado-membro da União Europeia pela execução de um mandado de detenção europeu, pelo Tribunal de Estrasburgo.”

fonte Joaquim Dantas Rodrigues Advogado

Fonte
noticiasaominuto.com
Mostrar mais

Artigos relacionados

Botão Voltar ao Topo