Mais do mesmo na reabertura dos tribunais

Sem se corrigir a composição e funções dos conselhos superiores que exercem a ação disciplinar sobre os magistrados, e que nomeiam, transferem e promovem juízes e procuradores, tudo ficará na mesma.

Setembro significa regresso de férias, reinício das rotinas quotidianas, reentrada escolar. Com ele vem o Outono, mas, também, novas ideias, novos projetos e novas vontades, em muitos casos com mudanças significativas na vida de muitas pessoas, que os banhos de mar estivais revigoraram. É também o mês da reabertura dos tribunais. E, fica-se logo com uma sensação muito estranha quanto ao funcionamento da nossa justiça. começou-se parado, com a greve dos Oficiais de Justiça, diligências adiadas, a somar o processo judicial mais volumoso e complexo de todos os tempos (processo BES/GES), muda de juiz na fase da instrução, sendo outro juiz que não conhece a prova, não presenciou nenhuma diligencia na instrução, que irá decidir se trinta arguidos, acusados de um total de 361 crimes, irão (ou não) sentar-se no banco dos réus.

Dececionante, a organização da justiça, o retorno promete tempos muito difíceis para o Direito e para o respeito pela justiça. O cidadão olha-a naturalmente de soslaio e também desconfia de nós, advogados, que, de um lado ou de outro, fazemos parte dela. Estamos todos cansados de repetidas promessas de que vamos ter um «pacto para a justiça», ou seja, de que se fará um acordo entre juízes, magistrados do Ministério Público, advogados, funcionários judiciais e agentes de execução, para a renovação do sistema. Mas os representantes dos agentes da justiça – designadamente ordens e sindicatos – estão demasiado divididos e politizados para se obter consensos e respostas úteis. Os principais partidos políticos continuam a não ter um plano estratégico institucional para a justiça, no qual se defina que tipo de justiça se pretende. E qual a qualidade na prestação do serviço de justiça que queremos (e devemos) alcançar e, para fiscalizar e regular quais órgãos reguladores dos juízes serão os mais adequados?

A sociedade portuguesa exige uma justiça sem paragens, mais aberta e capaz de atender quem dela precisa com maior agilidade, qualidade e eficácia, incorporando métodos organizacionais e instrumentos processuais mais modernos e avançados. Não se pode aceitar greves às segundas e sextas-feiras dos trabalhadores dos Registos e do Notariado, como ocorreu em agosto último, com o bloqueio aos elementares direitos dos cidadãos e das empresas.

O Relatório de 2021 da Comissão Europeia sobre o Estado do Direito classifica a independência judicial em Portugal de grau médio-baixo, pressupondo uma justiça de pouco critério quanto à sua independência.

A democracia moderna não centraliza o poder, partilha-o, a fim de evitar que uma só pessoa, uma só família, ou um qualquer grupo, sejam os donos de tudo. A garantia principal da democracia reside no poder judicial, isto é, num poder judicial livre que tenha por imprescritível missão perseguir a corrupção, o tráfico de influências, o abuso da autoridade. Mas a justiça deixa logo de funcionar quando, na governação do poder judicial, se instala um sistema de influências para ocupar os seus mais altos cargos diretivos. Igualmente deixa de funcionar (e até de fazer qualquer sentido) quando conhece crimes de um influente e ignora a prova, ou permite o arrastar pelo tempo de atos processuais, procurando deixar aproximar a prescrição, como solução para o que não se pretende ou se tem medo de julgar.

O sistema judicial não é eficaz. E isso deve-se fundamentalmente à falta de regulação das relações hierárquicas tanto na magistratura judicial como do Ministério Público. E enquanto não se corrigir a composição e funções dos conselhos superiores que exercem a ação disciplinar sobre os próprios magistrados, e que têm competência para nomear, transferir e promover juízes e procuradores, tudo ficará na mesma, politizado e fora de uma justiça como serviço público transparente e eficaz.

A prioridade da cidadania passa, igualmente por uma Carta de Direitos dos Cidadãos perante a justiça, o mesmo é dizer que passa por um documento que reúna os direitos que temos perante os órgãos da administração da justiça, para que as instituições e os poderes públicos atuem com transparência e igualdade no acesso à informação, estabelecendo direitos aos utilizadores da justiça.

Afinal, esquece-se sempre que o dever dos poderes públicos mais não é do que proteger os direitos dos cidadãos, mas para alguns delfins partidários, o governo da magistratura é mais valioso que o Governo da nação.

FONTE Adv Joaquim Dantas Rodrigues

Fonte
OBSERVADOR.PT
Exit mobile version