Julian Assange e a liberdade de informar

Que jornalismo de investigação se pretende, numa época de informação aberta e de dados digitais? Assange, representa, de momento, a luta pela independência da imprensa, pelo acesso a uma informação livre.

Jornalista, fundador do portal de notícias WikiLeaks, responsável pela divulgação, a partir de 2010, de milhares de documentos secretos, tanto de natureza militar, como de natureza diplomática, com origem no Departamento de Estado dos EUA.

Eis, em duas breves palavras, um resumo da ação de Julian Assange, através da qual o mundo viria a conhecer, não sem surpresa, as múltiplas violações dos direitos humanos e os inúmeros crimes de guerra cometidos por aquele país contra populações (torturas e outras práticas contrárias aos direitos humanos), crimes de guerra esses que muito vieram a descredibilizar a política externa norte-americana, sobretudo no tocante ao seu envolvimento nas guerras do Afeganistão e do Iraque.

Em consequência, desde dezembro de 2010, Assange vive um permanente calvário judicial, umas vezes preso, outras exiliado, sem vida própria, à espera de uma solução jurídica internacional que tarda em aparecer.

Após sete anos de homiziamento na embaixada do Equador, em Londres, num contexto estranho ao próprio direito internacional, foi expulso das suas instalações, em abril de 2019, e, simultaneamente, detido pelas autoridades britânicas, ficando desde então a aguardar uma decisão judicial de extradição para os EUA, a qual será proferida pela magistrada Vanessa Baraister após o 3 de novembro, dia das eleições presidenciais norte-americanas.

O processo judicial instaurado a Assange no Tribunal do Grande Júri Federal da Virgínia assenta em factos incriminatórios que garantem que Julian Assange e o WikiLeaks incentivaram, repetidamente, fontes com acesso a informações classificadas ou sigilosas, a fim de que essas mesmas fontes fornecessem as ditas informações para o WikiLeaks as divulgar; o militar Chelsea Manning correspondeu aos incentivos de Assange, e subtraiu informações confidenciais dos EUA; Assange encorajou Manning a prosseguir na sua tarefa de subtração de documentos confidenciais e ambos concordaram em obter os códigos de acesso a um computador militar; com a aprovação e a direção de Assange, Manning continuou a retirar documentos confidenciais para lhos entregar; Assange, outros associados do WikiLeaks e Manning compartilhavam um mesmo objetivo, que era o de subverter as restrições legais sobre informações confidenciais e divulgá-las publicamente; Assange revelou os nomes de fontes, havendo posto assim em perigo grave e iminente as suas vidas; e, por último, Assange sabia perfeitamente que a revelação do nome dessas fontes representava  um perigo para a vida dessas pessoas.

Se a tal extradição ocorrer, Assange arriscará uma pena elevadíssima de prisão, cuja soma de crimes atingirá os 170 anos. Posteriormente será estabelecido, através da Comissão de Sentença “United States Sentencing Commission” (que é uma agência independente do sistema judicial e do governo), uma pena única, depois de ponderados critérios sobre a personalidade (periculosidade) do delinquente e o dano social por ele causado. Pretende-se desse modo proteger a segurança pública e garantir que os objetivos legais da sentença serão alcançados. Todos os estrangeiros condenados por crime federal são libertados da prisão, a 2/3 da pena e, posteriormente, expulsos do país.

Assange é mais do que um mero hacker. Trata-se de um jornalista de investigação independente, que lançou um portal de denúncias, e que desempenhou um papel importante na deteção de atividades ilícitas lesivas do interesse público internacional. As suas denúncias assumem, por isso, um papel vital no combate à corrupção, à criminalidade económica e às violações dos direitos humanos, crimes para os quais existe a obrigação de toda a comunidade internacional em intervir, proteger e incentivar os chamados whistleblowers (denunciantes).

A comunidade internacional, influenciada pelos EUA, mostrou uma incoerência brutal ao abandonar Assange. Na prática, os denunciantes não são mesmo protegidos. A conotação negativa que é dada aos atos de denúncia e a condenação, embora disfarçada, da estrutura europeia governativa, bloqueou a proteção diplomática e uma solução internacional para o seu caso.

E como jornalista defendeu e protegeu as suas fontes, os whistleblowers. Tal como no passado, o mesmo aconteceu com Bob Woodward e Carl Bernstein, dois jornalistas do “Washington Post”, que revelaram o Caso Watergate, um escândalo político de corrupção, ocorrido em 1974, nos EUA, o qual viria a originar a renúncia de Richard Nixon, do Partido Republicano, à presidência daquele país.

Os tempos atuais são mais de vigilância e de monitoração dos jornalistas e das suas fontes. Por conseguinte, a proteção das fontes, tornou-se uma das mais urgentes batalhas para a sobrevivência do jornalismo de investigação na era digital.

E, a propósito, que jornalismo de investigação se pretende, numa época de informação aberta e de dados digitais? Qual a proteção legal para as fontes, em que se partilham informações digitais?

Responda quem souber, mas o certo é que Julian Assange, representa, de momento, a luta pela independência da imprensa, pelo acesso a uma informação livre, pelas grandes reportagens que sempre mudaram ciclos políticos e alteraram o paradigma social e cultural em prol da transparência, da integridade e da cidadania ativa. Talvez por isso se afigure natural que o estranho caso de Assange seja a luta pela liberdade de informar.

FONTE  

 

Fonte
JORNAECOMOMICO.SAPO.PT
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