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Nacional

O mistério da Praia da Luz

Um artigo de opinião assinado por Dantas Rodrigues, advogado desde 1993, sócio-partner da Dantas Rodrigues & Associados e professor de Direito do Ensino Superior Politécnico desde 1995.

“A Praia da Luz, o apartamento n.º 5 – A do Ocean Club, e a noite de 3 de maio de 2007, ficaram para sempre associados a um mistério, a algo desconhecido ou inexplicável em que a falta de informação sobre o que verdadeiramente aconteceu não tem (ou nunca se quis encontrar) uma explicação clara.

O que então aconteceu:

Kate e Gerry McCann, pais de uma menina chamada Madeleine, ainda sem os 5 anos de idade feitos, tinham posto os três filhos a dormir por volta das 20h00, a fim de irem jantar a um restaurante do resort com alguns amigos e, depois, partirem todos para as ‘vidas’. De tempos a tempos, um dos dois ia até ao apartamento, localizado a cerca de 50 metros de distância, com o fito de verificar se as crianças ainda dormiam. Por volta das 22h00 a mãe, agitada, correu ao restaurante gritando que Madeleine não estava na cama. Após uma procura nas proximidades resolveram chamar a polícia.

As primeiras 48 horas mostraram-se cruciais para a investigação, focada que estava na análise exaustiva de todos os detalhes relacionados com a preservação e classificação das provas, e com o depoimento dos pais denunciantes do desaparecimento. Vizinhos, pais e amigos foram questionados pelas autoridades competentes, e várias contradições não tardaram a emergir dos depoimentos colhidos.

Não houve indícios confiáveis, tãopouco testemunhas credíveis para fornecer informações, nem o local do possível crime (o tal apartamento n.º 5 – A) se apresentou claro nos indícios.

O desaparecimento de Madeleine McCann desencadeou uma investigação e buscas policiais gigantescas jamais ocorridas. De início, duzentos agentes começaram a trabalhar no caso, chegando a mil no mesmo ano. As fronteiras, os portos, os aeroportos, as estações de caminhos-de-ferro, numa palavra, tudo o que implicava fluxo de pessoas ou mercadorias, em todo o país e em Espanha, foi monitorizado, chegando mesmo a fechar durante a noite e nos dias imediatamente subsequentes ao desaparecimento da menina.

A Polícia Judiciária destacou, como primeiro responsável pela investigação, o seu homem mais credenciado à época, o inspetor Gonçalo Amaral. Doze dias depois, o primeiro suspeito foi preso: Robert Murat, um vizinho que morava perto do Ocean Club. Divorciado, de 35 anos de idade, habitava com a mãe e era pai de uma menina. A denúncia para aquela detenção partiu de uma jornalista inglesa, detenção essa à qual não foi nada estranha a costumeira pressão da imprensa sensacionalista britânica, e, como não podia deixar de ser, não faltaram declarações de vários amigos dos McCann, jurando a pés juntos ter visto Murat a rondar os apartamentos do Ocean Club.

A polícia realizou buscas, apreendeu um computador, livros e papéis. O jardim foi completamente revolvido, toda a casa foi minuciosamente revistada com sensores especiais para detetar a presença de um possível corpo. Resultado: nenhum indício foi encontrado sobre o desaparecimento da pequena Maddie e, em julho de 2008, Robert Murat obteve uma indemnização coletiva de 715.000 euros paga por onze jornais que, ao longo de meses, não se cansaram de o difamar.

Em julho de 2007 chegaram de Inglaterra dois cães propositadamente treinados na deteção de vestígios de sangue e de odores de cadáver para auxiliarem na busca da criança. E sinalizaram a presença de algo anormal em diferentes pontos do apartamento e no carro que o casal McCann havia alugado duas semanas após o desaparecimento da filha.

O inspetor Gonçalo Amaral, com base na sua própria intuição, nas incoerências das declarações dos sete amigos que acompanharam o casal britânico na Praia da Luz e nos restos biológicos supostamente farejados (encontrados?) pelos cães, inverteu o sentido da investigação e construiu uma teoria fatal para o casal McCann e para ele próprio: A da morte acidental da Maddie, e os respetivos pais culpados dos crimes de homicídio por negligência e de ocultação do cadáver.

Em setembro de 2007, os McCann foram interrogados, mas nenhum deles deu qualquer explicação para a descoberta dos restos mortais da menina no carro. Perante a pressão diplomática de Inglaterra, e não tanto da polícia inglesa, eles deixaram o Algarve e voltaram para o seu país.

Depois, e devido à inclusão de Kate e Gerry McCann como suspeitos, assistiu-se a uma campanha gigantesca de difamação da polícia portuguesa, do Ministério Público, e da própria Justiça, difamação essa desencadeada pelo Reino Unido, resultando numa ingerência estrangeira nunca vista no nosso sistema judicial.

Assistimos à defesa do bom nome e exemplar comportamento dos McCann, vindo do próprio governo inglês e do então primeiro-ministro Gordon Brown, sucessor de Anthony Blair e por cá, José Sócrates era primeiro-ministro na altura, e que se distinguiu por ser forte com os fracos e fraco com os fortes…

Em 2 de outubro de 2007 o inspetor Gonçalo Amaral foi retirado da investigação e, com 48 anos de idade, pediu a aposentação, após vinte e seis anos dedicados à polícia como investigador. No ano seguinte, em 21 de julho, o Ministério Público encerrou a investigação, eximindo de qualquer culpa os pais, por ausência de provas.

Para trás ficaram mais de 2.000 diligências policiais e 500 buscas, e cerca de 30.000 páginas de autos. Para a frente, assistir-se-ia a anos e anos de investigações conduzidas pela Scotland Yard com ajuda das polícias de Marrocos, de Espanha, da África do Sul, da Polónia, da Alemanha e de outros países, onde se dizia ter sido vista Madeleine McCann, já adolescente ou os seus presumíveis raptores.

De mistura com investigações estatais, os pais, decidiram contratar investigadores privados, entre os quais um tal Julián Peribánez, detetive da Agência ‘Método 3’ de Barcelona.

Como seria de esperar, nasceram várias teorias sobre aquela malfadada noite de 3 de maio de 2007 quanto ao destino da infeliz criança: 1) raptada por uma rede de pedofilia internacional; 2) raptada por traficantes e vendida a uma família residente em África; 3) saiu do quarto à procura dos pais e, por descuido, foi atropelada por um condutor que a matou, transportou o seu corpo e sepultou-a para fugir à ação da justiça; e 4) um provável pedófilo alemão, Christian Bruckner, raptou e assassinou.

Pelo meio de tão complexas investigações, Kate e Gerry McCann conseguiram uma astronómica ajuda internacional para custear as buscas da filha, recebendo milhões de donativos desde o doador mais desconhecido do planeta a famosos como Cristiano Ronaldo, ou como a autora de ‘Harry Potter’, Joanne Rowling. Sem esquecer, claro, o apoio político de presidentes e chefes de governo, incluindo o falecido Papa Bento XVI, que chegou mesmo a recebê-los no Vaticano.

Passados dezasseis anos, e sem indicadores confiáveis, voltaram as buscas ao Algarve, mais concretamente à barragem do Arade, em Silves, que o suspeito, o referido Christian Bruckner, terá frequentado durante a sua estada em Portugal. Como sempre gastaram-se vários milhares de euros, estiveram presentes a Scotland Yard, a Polícia Alemã, a Policia Judiciária, apoiadas por elementos da Guarda Nacional Republicana, Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil e Bombeiros Voluntários de Silves, incluindo uma equipa de mergulhadores. No fim foram recolhidas amostras do solo para testes forenses e de ADN, onde poderão existir vestígios que tragam novos dados.

Entretanto o certo é que já se passaram dezasseis anos, e nenhum desaparecimento de uma criança no mundo mobilizou tantos meios financeiros e policiais como o da pequena Maddie McCann. O mistério da Praia da Luz continua, e a memória permite-nos recordar as palavras do inspetor Gonçalo Amaral que, em certo momento das investigações, tão propositadamente asseverou: ‘a menina foi morta acidentalmente e os pais esconderam o seu corpo’.”

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