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Miscellanea

Ajuste de contas com o passado

Um artigo de opinião assinado por Dantas Rodrigues, sócio-partner da Dantas Rodrigues & Associados.

“Vivemos tempos de «wokismo» – uma importação dos EUA – em que a História, sobretudo a da Europa, está incessantemente a ser reescrita com base nos valores de hoje. O mínimo que se poderá dizer é que tal consiste numa profunda desonestidade intelectual, desonestidade intelectual essa que impõe uma visão que vai contra a natureza onde apenas se procura culpabilizar as sociedades.

Um dos muitos expedientes do referido «wokismo» é fazer-se vítima de toda uma catrefa de injustiças e de malfeitorias, a fim de alcançar os seus inconfessáveis objetivos. Daí que se assista a queixumes despropositados por reparações de guerra, a acusações de racismo, xenofobia, etc., etc., e, como não podia deixar de ser, a pedidos de desculpa diários, e ao mais alto nível político e eclesiástico, por tudo e por nada.

Um dos cavalos de batalha do «wokismo» militante, é o chamado roubo de obras de arte. As múltiplas guerras que eclodiram em África, na Ásia e na Europa, na sequência de regimes políticos arbitrários facilitaram a circulação das artes em parte devido a sucessiva perda de valor da moeda, a queda dos impérios e, até, a proibição pelos regimes marxistas, islamistas ou budistas («theravada») de certas práticas religiosas, contribuíram para o transporte transfronteiriço de objetos de vária ordem, cujo valor comercial se apresentava facilmente transacionável.

Desde 1947 que existe um registo de obras roubadas pelos regimes nazis alemão e austríaco, e não devolvidas, por exemplo, à França. A preocupação em encontrar o seu rasto e, na sequência, de as restituir, levou a Alemanha a disponibilizar uma verba de seis milhões de euros por ano para investigação e devoluções.

O marco normativo para a restituição de bens culturais saqueados ou desaparecidos remete para os princípios adotados na Conferência de Washington em 1998.

A devolução de património é, mais que tudo, o reconhecimento de erros que ocorreram durante o passado das nações, o que é norma

Os EUA, com o consentimento do presidente Joseph Biden, já devolveram ao Iraque cerca de 17.000 peças arqueológicas, que datam de quase 4.000 anos, as quais foram saqueadas durante as duas invasões àquele país.

O Rijksmuseum, de Amesterdão, também possui cerca de 4.000 objetos com ligações coloniais, os quais estão a ser estudados, a fim de serem devolvidos. O Conselho para a Cultura, órgão do governo neerlandês, estima que existam centenas de milhares de peças de arte colonial disseminadas pelas coleções dos seus museus, desde: espadas, bandeiras, objetos religiosos, estatuetas, pinturas, ourivesaria, documentação vária, cerâmica e, até restos humanos.

O Museu Britânico, cujas salas estão repletas de testemunhos provenientes daquele que foi o maior e mais importante império da Idade Contemporânea, decidiu confrontar a sua História, e contratou um curador responsável por analisar os seus acervos e estudar as origens de todos os objetos reivindicados por outros países.

Entre essas reivindicações figuram a Pedra de Roseta, os Mármores do Pártenon, instados pela Grécia desde o século XIX, e objetos de arte adquiridos durante intervenções militares em África (Gana, Benin, Nigéria, Etiópia, Maqdala, reino Asante…). Também existem dúvidas sobre a legitimidade da posse por aquela prestigiada e prestigiosa instituição inglesa de tesouros imperiais chineses trazidos de Pequim em 1860, uma grande escultura Moai da Ilha de Páscoa e outros apreendidos a populações indígenas na América do Norte, na Austrália e na Nova Zelândia durante a expansão imperial. Enfim, dúvidas, dúvidas, só dúvidas…

Emmanuel Macron e a sua periclitante maioria na Assembleia Nacional aprovaram, a «transferência de propriedade» de vários objetos de arte em benefício do Senegal e do Benin.

Estima-se que entre 90 e 95% do património cultural de África estará preservado fora daquele continente e espera-se a devolução, pela França, de «qualquer objeto que tenha sido tomado à força ou adquirido em condições desiguais» pelo exército, por exploradores científicos ou por administradores de territórios durante o período colonial.

Em Portugal, criou-se uma comissão nacional, em articulação com o Conselho Internacional de Museus (ICOM-Portugal), a fim de se conhecer e elencar objetos existentes nos museus portugueses, e que são provenientes de territórios não europeus, ou seja, objetos com origem nas nossas antigas colónias. Já passaram dois anos, e desconhecem-se resultados. Vão sair quantos objetos? Quais os países reclamantes e que objetos reclamaram?

Apenas se sabe isto: Angola já pediu a Portugal a restituição de objetos que se encontram nos museus de etnografia e arqueologia, a saber, máscaras, cestos, cerâmicas, estátuas da arte Mbali, pedras polidas do Neolítico e arte Tchokwe.

Agora pergunto: os tesouros saqueados durante o período colonial voltarão a pertencer aos seus legítimos proprietários?

A devolução de património é, mais que tudo, o reconhecimento de erros que ocorreram durante o passado das nações, o que é normal. Não houve nunca, não há, nem jamais haverá nações perfeitas e impolutas. Hoje, nas organizações internacionais, o colonialismo é visto como uma violação aos direitos humanos e ao princípio da territorialidade. Dirão os colonizados que viviam numa pátria ocupada militarmente e de forma prolongada. Nessa pátria de aparência legal, o roubo e a destruição da arte era de somenos importância. E neste somenos, a restituição tem um significado meramente político, e, cultural absolutamente nenhum. É um ajuste de contas com o passado.”

FONTE Adv J. Dantas Rodrigues

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